Honório Lemes da Silva, cognominado, a partir de 1923 - "O Leão de Caverá" - tropeiro e proprietário de pequena estância, vivia folgadamente de seu trabalho modesto e honrado. Entretanto, patriota, liberal convicto, admirador de Gaspar da Silveira Martins, ao rebentar a revolução federalista, em 1893, tudo abandonou ingressando, como simples soldado, nas fileiras revolucionárias. Terminado o movimento armado, em 1895, era Honório Lemes da Silva, coronel, posto a que ascendeu graças aos seus conhecimentos da terra, inteligência estratégica e destemor guerreiro, embora simples, humano, jamais concordando com as decapitações e outros horrores que aquela revolução - a mais desumana da História do Rio Grande do Sul, - praticou em ambos os partidos em luta.
Tinha apenas 29 anos de idade ao começar o movimento e 31 ao terminar a luta. Radicou-se, então, em Vacaquá, consagrando-se inteiramente às lides campeiras. Tropeiro de profissão, conhecia o Rio Grande do Sul como poucos. Foi o tipo perfeito do vaqueano. Pouco depois casava pela primeira vez. Deste matrimônio teve os seguintes filhos: Adalgiza, Gaspar, Ambrosina, Joaquim, Aquino e Nolo, que sempre o acompanharam, a partir de 1923, nos movimentos revolucionários de que participou, destemidamente, o velho lutador, também depois cognominado "Tropeiro da Liberdade".
Ao rebentar a revolução de 1923, a 25 de janeiro, Honório Lemes não compareceu logo ao campo da luta. Somente a 14 de fevereiro, foi que o coronel de 1893, chefe federalista em Rosário do Sul, surgiu no cenário com 300 homens reunidos, municiados e armados à sua custa, estabelecendo seu Quartel General no Caverá.
Mais de uma vez, passando por pequenos povoados de meia dúzia de casas, ocupadas apenas por mulheres e crianças que os homens haviam sido arrebatados pelas fôrças inimigas, Honório mandava fornecer-lhes, àquelas famílias sem ninguém, tudo quanto era possível para que não perecessem de fome e miséria. Sacrificava sua gente para alimentar os inocentes, embora adversários. E - ai do soldado que abusasse da fragilidade da mulher! Houve casos, e um ficou registrado em ordem do dia, de ter mandado fuzilar um soldado que, aproveitando-se da situação de vencedor, invadira um lar e abusara da dona da casa.
Mil novecentos e vinte e quatro, vinte e cinco e vinte e seis, viram novamente as verdes campinas do Rio Grande do Sul taladas por movimentos revolucionários. Ao de 1925, pela sua finalidade, incorporou-se Honório Lemes. De curta duração, o movimento armado terminou, praticamente, com a prisão de Honório no Passo da Conceição, em setembro.
O rio estava cheio e não dava vau. Honório tinha pelas costas o caudal do Ibicuí extravasando de seu leito, e pela frente as fôrças armadas, bem municiadas e superiores em número, de Flôres da Cunha. A situação era trágica. A luta seria o sacrifício total e inútil de seus guerreiros. Resolveu, pois, enviar parlamentar ao General Flôres.
- Por que não quer o Honório pelear? - perguntou Flôres da Cunha.
- Diz que é loucura matar sua gente numa luta desigual e tendo às costas o rio cheio, sem vau.
- Pois então, que se renda sem condições.
E Honório Lemes da Silva, sacrificando-se para poupar seus homens, apresentou-se a Flôres da Cunha que o recebeu cavalheirescamente, pois Flôres, apesar de tudo, era também sentimental, comovido pelo gesto do adversário que se sacrificava para salvar a vida de seus comandados. Conversaram. E quando Honório lhe quis fazer entrega de suas armas, Flôres da Cunha, repetindo o gesto de David Canabarro - quando Bento Gonçalves se apresentou prêso por ter morto em duelo a seu companheiro Onofre Pires, - Flôres da Cunha não as aceitou, atalhando-lhe o gesto:
- Guarde-as, general, que eu aqui quero tratá-lo de igual para igual.
E o velho guerreiro que tantas vêzes vira a morte de perto sem o mínimo temor, sentiu úmidos os olhos e, disfarçando a fazer um palheiro, baixou a cabeça sem saber que dizer.
Tratado com respeito e consideração, foi remetido para Pôrto Alegre, onde, em outubro de 1925, deu entrada, como prisioneiro, no Quartel do 2o Corpo da Brigada Militar.
Durante a Revolução de 1923, por onde quer que passasse, era ovacionado e nas cidades que tomava, muitas vêzes sem um tiro, era recebido com grandes manifestações populares.
Quase analfabeto, escrevendo muito mal, apesar de ter letra bastante boa, o herói de 1923 e 1925, vindo das hostes federalistas de 1893, era, contudo, um pensador, amigo da boa leitura, inclusive de poesias, sabendo de cor o poemeto campestre de Amaro Juvenal "Antônio Chimango", que costumava recitar entre amigos, estrategista notável, guerrilheiro seguro, ao adoecer gravemente, fôra transportado, contra sua vontade, para a casa de seu sogro, na Estação Porteirinha. O mal - tuberculose pulmonar, aos 65 anos de idade - não tinha mais cura. Entretanto, sonhava ainda com a vida e a guerra que se aproximava, a de 1930. O médico lhe recomendara todo cuidado e absoluto repouso.
- Cinco dias são bastante, doutor. - disse, então.
Não eram. Muitos mais requeria a Medicina. Então Honório não se conteve:
- Mais do que isto é impossível, doutor. Então o Rio Grande vai levantar-se todo e eu fico aqui, atirado, como um molambo sem vida?...
Dias depois, falecia. Desaparecia dentre os vivos o "Leão do Caverá", o "Tropeiro da Liberdade", cercado pelos seus, pensando na liberdade do Rio Grande do Sul e do Brasil, libertação que, entretanto, se transformaria em grilhão contra o qual, certamente, o "velho" General Honório Lemes da Silva, se não houvesse falecido, se ergueria ao lado do "velho" Borges de Medeiros, seu antigo inimigo político, como se novamente tivesse os mesmos 29 anos com que ingressara na luta de 1893.