Ao redor do fogo de chão os homens contavam às crianças, suas aventuras do dia-a-dia. As mulheres falavam dos episódios acontecidos nos momentos solitários, enquanto os homens caçaram ou guerreavam. Eram passadas em revistas as mais belas lendas nativas. Mboitatá, Jarau, Angueras, etc. Sangrentas revoluções, entre nativos e colonizado rés. Lutas de posses e as maravílhas escaramuças conhecidas com a chegada do cavalo, figura máscula da coragem e predestinação.
As crianças disputavam as bijouterias trazidas pelos estrangeiros. Os adultos contavam suas mágoas e alegrias. Ninguém interrompia quem detinha a palavra, a não ser para um aparte ou pergunta. As lidas campeiras passaram a ser a temática central, enquanto o chimarrão corria de mão-em-mão. Era a seiva energética dessa convivência em comunhão.
O fogo de chão aquecia o sentimento nativo do mestiço, projetando-se no ideal campeiro do gaúcho. Ao seu aconchego desfilou a história dos primeiros passos da formação de nosso pago. O cavalo, o gado, as domas, as tropeadas, as carreteadas, os aramados, as marcações, etc. As carreiras de cancha reta, cujos cavalos, figuras centrais daquele mundo ermo, levavam em suas patas, os desvairados sonhos de enriquecer, no desfilar de alguns minutos. As estórias de carreteadas de muitos meses, vencendo serranias impressionantes e outras, cujas missões ficaram sepultadas nos terríveis despenhadeiros.
Os mais nativos usos e costumes foram aquecidos pelo fogo de chão, transmitidos de gerações a gerações, germinando o núcleo de nosso Folclore Gaúcho. Com o fogo de chão surgiu a charla. Os adultos retiravam-se, rodeavam as brasas entrincheiradas sob guarda-fogos, para as cnversações. Eram bate-papos sem solenidades ou formalismos, em forma de relatos ou troca de opiniões. Nas charlas é que foram tomadas as grandes decisões históricas de nossa terra.
Determinado momento, sob o calor do fogo, a concentração só era quebrada pelo ronco do mate-amargo. Nas chaleiras e nas cuias de porongo concentravam-se as atenções da espera do próximo chimarrão.
Nas charlas, como nas rodas de chimarrão, reinava a oportunidade equitativa entre peões e patrões. Todos esperavam che¬gar a sua vez para chupar a bomba de um chimarrão, assim co mo tinham o livre arbítrio para opinar sobre os assuntos em pauta.
Com a tradição do fogo de chão é que surgiram os galpões crioulos. Cobertos de capim, barreados, de pau-a-pique, táboas ou costaneiras, chão batido, os galpões de estâncias foram as sementeiras do Tradicionalismo.No galpão, uma convivência efervescente, a cada noite, sob charla e fogo de chão, o tradicionalismo foi alicerçando seus parâmetros.
Para o gaúcho o galpão é uma instituição onde convivem supostos associados, compostos pelo pessoal da estância e seus visitantes. Muitas peças de nosso folclore nasceram dentro dos galpões. Cada galpão abriga um vasto património campeiro. São as utilizadas na vida campesina. Foi nos galpões que surgiu pura do posteiro, agregado da estância, encarregado de zelar pelos bens da propriedade.
ABC do Tradicionalismo
Salvador Lamberty
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