BARBOSA LESSA
1º. Congresso
Tradicionalista
(Santa Maria, Julho de
1954).
1954
1954.
Porto Alegre. Um cidadão do interior quer entrar no Cinema Ritz mas é barrado
porque veste botas e bombachas.
Interior.
Comunidades fragmentadas por antagonismos partidários, antes “maragatos” e “republicanos”, agora seus descendentes.
Marginalização social do trabalhador do campo, que não pode entrar no “Clube
Comercial”, da elite, nem no “Clube Caixeiral”, da classe média; privado de uma
forma decente de lazer, só conhece os bochinchos
e chinedos de campanha.
Rio
Grande do Sul. Começara há pouco a invasão cultural norte-americana através do
cinema, disco, coca-cola e outras pontas-de-lança da sociedade de consumo. No
âmbito interno, crescimento demográfico e ascensão política das colônias alemãs
e italianas.
Gradativa
perda das raízes culturais pastoris e luso-brasileiras. Mas, sete anos antes
meia-dúzia de ginasianos fundara em Porto Alegre o “35”, primeiro CTG (Centro
de Tradições Gaúchas), e no decorrer desse tempo haviam surgido agremiações
congêneres em vários pontos do Estado. Era uma tentativa, intuitiva e ainda
hesitante, de salvaguardar a cultura nativa.
Cidade
de Santa Maria. Representantes desses vários CTGs reúnem-se, por primeira vez,
buscando um fundamento racional e uma diretriz filosófica para o movimento que
vinham empreendendo. Barbosa Lessa, um dos ginasianos pioneiros, agora com 24
anos de idade, apresenta em plenário a tese definidora. Em decorrência, o
movimento parte para uma linha de massificação popular, menos elitizante, menos
intelectualizada. O tradicionalismo, a partir daí, explodiria em dimensão
fantástica, até se consagrar como o maior movimento popular de Cultura em todo
o mundo ocidental: 2 milhões de participantes ativos.
1979
1979.
Porto Alegre. O traje regional gaúcho num lugar de honra dentre os símbolos do
Rio Grande do Sul.
Interior.
Fandangos e bailões proporcionam um divertimento sadio também para as camadas humildes,
e a sede de CTG torna-se uma expressão comunitária acima das rivalidades
partidárias e do conflito de gerações.
Rio
Grande do Sul. A tradição pastoril torna-se um denominador comum para os
rio-grandenses das mais diversas origens étnicas, reforçando a cultura regional
em face das arremetidas alienígenas. Um Estado com fisionomia inconfundível no
contexto nacional.
São
mais de 400 CTGs, em todos os municípios do Estado e, também, acompanhando as
migrações de rio-grandenses para Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul.
Churrascarias gaúchas ao longo das BRs de todo o País. CTGs também em Curitiba,
Rio, Brasília, até a longínqua São Luiz do Maranhão.
Milhares
de esportistas campeiros integrando os Piquetes de laçadores para participação
em rodeios, alguns destes com repercussão internacional. Centenas de músicos
profissionais animando fandangos, dominando certos horários radiofônicos e -
alguns - constituindo-se em campeões de vendagem de disco no mercado nacional.
Milhares de declamadores de poesia regionalista servindo-se do esquecido poder
da Comunicação Oral. Uma florescente indústria de construção de “galpões”
tradicionalistas, mobiliário típico e decoração campeira. Indústria de ponchos,
palas, cuias, arreios e souvenirs. Todo um mercado de produção e consumo
desenvolvido à sombra dessa nova realidade psicossocial. Um fenômeno que já não
pode ser mais ignorado e precisa ser estudado.
Na
vida humana, a sociedade - mais que o indivíduo - constitui a principal força
na luta pela existência. Mas, para que o
grupo social funcione como unidade, é necessário que os indivíduos que o
compõem possuam modos de agir e de
pensar coletivamente.
Isto
é conseguido através da “herança social” ou “cultural”. Graças à cultura comum,
os membros de uma sociedade possuem a unidade psicológica que lhes permite
viverem em conjunto, com um mínimo de
confusão. A cultura, assim, tem por finalidade adaptar o indivíduo não só ao
seu ambiente natural mas também ao seu lugar na sociedade. Toda cultura inclui
uma série de técnicas que ensinam ao indivíduo, desde a infância, a maneira
como comportar-se na vida grupal. E graças à Tradição, essa cultura se
transmite de uma geração a outra,
capacitando sempre os novos indivíduos a
uma pronta integração na vida em sociedade.
I - A DESINTEGRAÇÃO DE NOSSA
SOCIEDADE
A
cultura e a sociedade ocidental estão sofrendo um assustador processo de desintegração. Incluídas nesse panorama
geral, a cultura e a sociedade de quaisquer dos povos ocidentais
necessariamente apresentam, com maior ou menor intensidade, idêntica
dissolução. É nos grandes centros urbanos que esse fenômeno se desenha mais
nítido, através das estatísticas sempre crescentes de crime, divórcio,
suicídio, adultério, delinqüência juvenil e outros índices de desintegração
social.
Analisando
tais circunstâncias, mestres da moderna Sociologia chegaram à conclusão de que
os problemas sociais cruciantes da atualidade são causados ou incentivados pelo
relaxamento do controle dos costumes e noções tradicionais de cada cultura.
II - OS DOIS FATORES DE
DESINTEGRAÇÃO
Sociólogos
de renome afirmam que a desintegração social, característica de nossa época, é
devida a dois fatores predominantes:
Primeiro:
o enfraquecimento do núcleo das culturas locais.
Segundo:
o desaparecimento gradativo dos “Grupos Locais”
como unidades transmissoras de cultura.
Analisemos,
então, esses dois fatores.
a)
O ENFRAQUECIMENTO DO NÚCLEO CULTURAL
A
cultura de qualquer sociedade se compõe de duas partes.
Há
um núcleo sólido, de certa forma estável, constituído pelo PATRIMÔNIO
TRADICIONAL. Nesse núcleo se concentram aqueles inúmeros hábitos, princípios
morais, valores, associações e reações emocionais partilhados por TODOS os
membros de determinada sociedade (como a linguagem, a indumentária típica, os
princípios fundamentais de moral, etc.), ou ainda, por TODOS os membros de
certas categorias de indivíduos, dentro da sociedade (como as ocupações
reservadas só às mulheres ou só aos homens, as reações emocionais típicas de
todos os velhos ou de todas as crianças, bem como os conhecimentos técnicos
reservados aos ferreiros, aos médicos, aos agricultores, etc.). Tais elementos
culturais contribuem para o bem-estar da coletividade, pois o indivíduo fica
sabendo como comportar-se em grupo, e qual o comportamento que pode esperar dos
outros (“expectativas de comportamento”). Em suma: o cerne cultural dá, aos
indivíduos, a unidade psicológica essencial ao funcionamento da sociedade.
Mas,
cercando o núcleo, existe uma zona fluída e instável, constituída por elementos
culturais chamados, em sociologia, Alternativas, e que são traços partilhados
apenas por ALGUNS indivíduos, representando diferentes reações às mesmas
situações, ou diferentes técnicas para alcançar os mesmos fins. (Certa pessoa viaja
a cavalo, fazendo o mesmo percurso que outra prefere realizar em carroça; certa
pessoa sente-se tremendamente ofendida se alguém faz “crítica” a um defeito
físico seu, enquanto outra se comporta resignadamente face a tais críticas;
etc.)
É
esta zona de Alternativas que permite à cultura crescer e acomodar-se aos
avanços de uma civilização.
Evidentemente, quanto maior for o entrechoque ou contato com culturas
diversas, maior será a possibilidade de adoção de novas Alternativas, por parte
dos membros de uma sociedade.
Quando
a cultura de determinado povo é invadida por novos hábitos e novas idéias, duas
coisas podem ocorrer. Se o patrimônio
tradicional dessa cultura é coerente e forte, a sociedade somente tem a lucrar
com o referido contato, pois sabe analisar, escolher e integrar em seu seio
aqueles traços culturais novos que, dentre muitos, realmente sejam benéficos à
coletividade. Se, porém, a cultura invadida não é predominante e forte, a
confusão social é inevitável: idéias e hábitos incoerentes sufocam o núcleo
cultural, desnorteando os indivíduos e fazendo-os titubear entre as crenças e
valores mais antagônicos. Quem mais sofre com essa confusão social - acentua o
sociólogo Donald Pierson - são as crianças e adolescentes, os responsáveis pela
sociedade do porvir.
Crescendo
nessas circunstâncias, a criança não sabe como agir, não é capaz de assumir, em
seu espírito, qualquer expectativa clara de comportamento. E assim se originam,
entre outros, os problemas de delinqüência juvenil, resultados de uma
desintegração social.
Pois
bem. Devido ao surto surpreendente do maquinismo, em nossos dias, bem como à
facilidade de intercâmbio cultural entre os mais diversos povos, observa-se que
o núcleo das culturas locais ou regionais vai se reduzindo gradativamente, a
ponto de se ver sufocado pela zona das Alternativas. E a fluidez naturalmente
se acentua, à medida que as sociedades mantêm novos contatos com traços
culturais diferentes ou antagônicos, introduzidos por viajantes ou imigrantes,
ou difundidos por livros, imprensa, cinema, etc. Nossa civilização, antes
alicerçada num núcleo sólido e coerente,
transformou-se numa variedade de Alternativas entre as quais os indivíduos têm
que escolher. Sem ampla comunidade de hábitos e de idéias, porém, os indivíduos
não reagem com unidade a certos estímulos, nem podem cooperar eficientemente.
Daí os conflitos de ordem moral, que afligem o indivíduo, fazendo-o
atarantar-se sem saber quais as opiniões e os valores que merecem acatamento.
Esta
insegurança reflete-se imediatamente na sociedade como um todo e,
consequentemente, no Estado. Pois, conforme ensina o sociólogo Ralph Linton,
“embora os problemas de organizar e governar Estados nunca tenham sido
perfeitamente resolvidos, uma coisa parece certa: se os cidadãos tiverem
interesses e culturas comuns, com a vontade unificada que daí advém, quase
qualquer tipo de organização formal de governo funcionará eficientemente; mas,
se isso não se verificar, nenhuma elaboração de padrões formais de governo,
nenhuma multiplicação de lei, produzirá um Estado eficiente ou cidadãos
satisfeitos”.
b) O DESAPARECIMENTO DOS “GRUPOS
LOCAIS”
As
duas unidades sociais mais importantes, como transmissoras de culturas, são a
“família” e o “grupo local”. Através dessas duas unidades o indivíduo recebe,
com maior intensidade, a sua “herança social”.
São
exemplos de “grupo local”, em nossa sociedade, o “vizindário” ou “pago” das
populações rurais, bem como as pequenas vilas do interior, ou ainda (um exemplo
do passado) os bairros com vida-própria, das cidades de há alguns anos atrás.
Por
“grupo local” entende-se o agregado de famílias e de indivíduos avulsos que
vivem juntos em certa área, compartilhando hábitos e noções comuns.
Embora
não tenha organização formal (como o distrito ou o município), o “grupo local”
é unidade social autêntica. O “pago”, por exemplo, influencia a vida de seus
membros, estabelece limites à vida social (quais as famílias que podem ser
convidadas para as festas), mantém elevado grau de cooperação entre os indivíduos,
pois todos devem se auxiliar (antigos trabalhos de puxirão) e cada qual tem
consciência desse dever de auxílio-mútuo.
O indivíduo conhece perfeitamente os costumes e os princípios morais
instituídos pelo seu “pago”, além disso, há um conhecimento íntimo entre os
membros de um mesmo “pago” (conhecem-se até os animais e objetos pertencentes
aos vizinhos). Todas essas
circunstâncias influem para que o “grupo local” se constitua numa
potente barragem para as transgressões à ordem pública ou à moral (furto,
sedução, adultério, etc.). Ademais, embora não tenha um meio de reação formal
(como a polícia), o “grupo local” encerra grande força punitiva, através de
medidas como a perda de prestígio, o ridículo, o ostracismo.
Certamente
já depreendemos, então, a grande importância de que se reveste o “grupo local”
para assegurar a normalidade da vida em comum, segundo os padrões culturais
instituídos pelo grupo.
Acresce
notar o seguinte: o integrar-se a um “grupo local” constitui verdadeira
NECESSIDADE PSICOLÓGICA para o indivíduo normal. Este precisa de uma unidade
social coesa, maior do que a família, dentro da qual sinta que outros
indivíduos são seus amigos, que compartilham suas idéias e hábitos. Tanto é
verdade que o indivíduo se sente inseguro quando se vê só ou entre estranhos.
Pois
bem. O enfraquecimento da vida grupal - conforme acentuou Ralph Linton - é
outra característica de nossa época. As unidades sociais pequenas estão
gradativamente desaparecendo, e cedendo lugar às massas de indivíduos. Nas
zonas rurais, os “grupos locais” ainda conservam um pouco de sua função como
portadores de cultura; mas, em geral - devido ao afluxo de Alternativas - os
jovens discordam dos padrões culturais antigos; acontece, porém, que a
sociedade mais ampla - com a qual os jovens entram em contato por meio da
imprensa, rádio e cinema - ainda não têm padrões coerentes de vida para
oferecer-lhes. Daí a insegurança que começa a notar-se em nossa sociedade
rural.
Se
nas zonas rurais percebe-se apenas uma insegurança incipiente, apenas o relaxamento das forças do “grupo local” - o
que se percebe nas cidades é a desintegração total dessas forças. A mudança de
padrões culturais, em nossos dias, tem sido tão rápida que, em geral, o adulto
de hoje ainda teve a sua infância condicionada à vida segundo as bases do
“grupo local”. Ensinaram-lhe a esperar de seus vizinhos encorajamento e apoio
moral; e quando esses vizinhos se
afastam, o indivíduo sente-se perdido. Ele escolhe entre muitas Alternativas
mas não dispõe de meios para estabelecer contato com outros que tenham feito
escolha semelhante.
Sem
o apoio de um grupo que pense do mesmo modo, é-lhe impossível sentir-se seguro
a respeito de qualquer assunto. E assim o indivíduo torna-se presa fácil de
qualquer propaganda insistente. (Quer seja a má propaganda, quer seja a boa
propaganda).
Por
isso, Ralph Linton escreveu: “A cidade moderna, com sua multiplicidade de
organizações de toda a espécie, dá a imagem de uma massa de indivíduos que
perderam seus “grupos locais” e estão tentando, de maneira tateante,
substituí-los por alguma outra coisa. De todos os lados surgem novos tipos de
agrupamentos, mas até agora nada foi encontrado, que pareça capaz de assumir as
principais funções do grupo local. Ser membro do Rotary Club, por exemplo, não
substitui adequadamente a posse de vizinhos e amigos tal como se verifica nos
grupos locais”.
O MOVIMENTO
TRADICIONALISTA RIO-GRANDENSE
O
movimento tradicionalista rio-grandense - que vem se desenvolvendo, desde 1947,
com características especialíssimas - visa precisamente combater os dois
reconhecidos fatores de desintegração social. O fundamento científico deste
movimento encontra-se na seguinte afirmação sociológica: “Qualquer sociedade
poderá evitar a dissolução enquanto for capaz de manter a integridade de seu
núcleo cultural. Desajustamentos, nesse núcleo, produzem conflitos entre os
indivíduos que compõem a sociedade, pois estes vêm a preferir valores
diferentes, resultando então a perda de unidade psicológica essencial ao funcionamento
eficiente de qualquer sociedade”.
Através da atividade artística , literária,
recreativa ou esportiva, que o caracteriza - sempre realçando os motivos
tradicionais do Rio Grande do Sul - o Tradicionalismo procura, mais que tudo,
reforçar o núcleo da cultura rio-grandense, tendo em vista o indivíduo que
tateia sem rumo e sem apoio dentro do caos de nossa época.
E,
através dos Centros de Tradições Gaúchas, o Tradicionalismo procura entregar ao
indivíduo uma agremiação com as mesmas características do “grupo local” que ele
perdeu ou teme perder: o “pago”. Mais que o seu pago, o pago também das
gerações que o precederam.
Cada
Centro de Tradições Gaúchas, em si, é um novo “Grupo Local”. E à medida que
surgem novos Centros, em todos os municípios do Rio Grande do Sul, vai o
Tradicionalismo confundindo-se com o Regionalismo, pois opera para que todos os
indivíduos que compõem a Região sintam os mesmos interesses, os mesmos afetos,
e desta forma reintegrem a unidade psicológica da sociedade regional. E com
isso o Tradicionalismo pode se transformar na maior força política do Rio
Grande do Sul. Para evitar confusão de “política” com “política partidária”,
expressemo-nos assim: o Tradicionalismo pode constituir-se na maior força a
auxiliar o Estado na resolução dos problemas cruciais da coletividade.
Para
compreendermos tal afirmativa, basta repetir a transcrição já feita: “Se os
cidadãos tiverem interesses e culturas comuns, com a vontade unificada que daí
advém, quase qualquer tipo de organização formal de governo funcionará
eficientemente. Mas, se isso não se verificar, nenhuma elaboração de padrões
formais de governo, nenhuma multiplicação de lei, produzirá um Estado eficiente
ou cidadãos satisfeitos”.
O SENTIDO DO
TRADICIONALISMO
O
Tradicionalismo consiste numa EXPERIÊNCIA do povo rio-grandense, no sentido de
auxiliar as forças que pugnam pelo melhor funcionamento da engrenagem da
sociedade. Como toda experiência social, não proporciona efeitos imediatamente
perceptíveis. O transcurso do tempo é que virá dizer do acerto ou não desta
campanha cultural. De qualquer forma, as gerações do futuro é que poderão
indicar, com intensidade, os efeitos desta nossa - por enquanto - pálida
experiência. E ao dizermos isso, estamos acentuando o erro daqueles que acreditam
ser o Tradicionalismo uma tentativa estéril de “retorno ao passado”. A
realidade é justamente o oposto: o Tradicionalismo constrói para o futuro.
Feitas
estas considerações preliminares, podemos tentar um conceito do movimento
tradicionalista. E estão diremos:
“Tradicionalismo
é o movimento popular que visa auxiliar o Estado na consecução do bem-coletivo,
através de ações que o povo pratica (mesmo que não se aperceba de tal
finalidade) com o fim de reforçar o núcleo de sua cultura; graças ao que a
sociedade adquire maior solidez e o indivíduo adquire maior tranquilidade na
vida em comum” .
CARACTERÍSTICAS DO
TRADICIONALISMO
Mais
do que uma teoria, o Tradicionalismo é um movimento. Age dentro da psicologia
coletiva. Sua dinâmica realiza-se por intermédio dos Centros de Tradições
Gaúchas, agremiações de cunho popular que têm por fim estudar, divulgar e fazer
com que o povo “viva” as tradições rio-grandenses.
O
Tradicionalismo deve ser um movimento nitidamente POPULAR, não simplesmente
intelectual. É verdade que o Tradicionalismo continuará sendo compreendido, em
sua finalidade última, apenas por uma minoria intelectual. Mas, para vencer, é
fundamental que seja sentido e desenvolvido no próprio seio das camadas
populares, isto é, nas canchas de carreiras, nos auditórios das radioemissoras,
nos festivais e bailes populares, nas “Festas do Divino” e de “Navegantes”, etc.
Para
alcançar seus fins, o Tradicionalismo serve-se do Folclore, da Sociologia, da
Arte, da Literatura, do Esporte, da Recreação, etc. Tradicionalismo não se
confunde, pois, com Folclore, Literatura, Teatro, etc. Tudo isso constitui
MEIOS para que o Tradicionalismo alcance seus fins. Não se deve confundir o
Tradicionalismo, que é um movimento, com o Folclore, a História, a Sociologia,
etc. que são ciências. Não se deve confundir o folclorista, por exemplo, com o
tradicionalista; aquele é o estudioso de uma ciência, este é o soldado de um
movimento. Os tradicionalistas não precisam tratar cientificamente o folclore;
estarão agindo eficientemente se se
servirem dos estudos dos folcloristas, como base de ação, e assim reafirmarem
as vivências folclóricas no próprio seio do povo.
AS DUAS GRANDES
QUESTÕES DO TRADICIONALISMO
Existem
duas questões importantíssimas, que de maneira nenhuma podem ser descuidadas
pelos tradicionalistas, sob pena deste esforço cultural se desenhar, de
antemão, como uma experiência fracassada.
a) ATENÇÃO ESPECIAL ÀS NOVAS
GERAÇÕES
Deve
o Tradicionalismo operar com intensidade no setor infantil ou educacional, para
que o movimento tradicionalista não desapareça com a nossa geração. Porque nós
- os Tradicionalistas da primeira arrancada - entramos para os Centros de
Tradições Gaúchas movidos pela necessidade psicológica de encontrar o “grupo
local” que havíamos perdido ou que
temíamos perder. Mas as gerações novas não chegaram a conhecer o grupo local
como unidade social autêntica, e somente seguirão nossos passos por força de
impulsos que a educação lhes ministrar.
Por
isso, não temo afirmar que o dia mais glorioso para o movimento tradicionalista
será aquele em que a classe dos Professores Primários do Rio Grande do Sul -
consciente do sentido profundo desse gesto, e não por simples atitude de
simpatia - oferecer seu decisivo apoio a esta campanha cultural.
Aliás,
não se concebe que as Escolas Primárias continuem por mais tempo apartadas do
movimento tradicionalista. Pois a maneira mais segura de garantir à criança o
seu ajustamento à sociedade é precisamente fazer com que ela receba, de modo
intensivo, aquela massa de hábitos, valores, associações e reações emocionais -
o patrimônio tradicional, em suma - imprescindíveis para que o indivíduo se
integre eficientemente na cultura comum.
b) ASSISTÊNCIA AO HOMEM DO CAMPO
A
idéia nuclear das Tradições Gaúchas é a figura do campeiro das nossas
estâncias. Por isso, é sumamente necessário que o Tradicionalismo ampare social
e moralmente o homem do campo, para que um dia não se chegue à situação
paradoxal de manter-se uma Tradição de fantasia, em que se tecessem hinos de
louvor ao “Monarca das Coxilhas”, ao
“Centauro dos Pampas”, e que esse gaúcho fosse um desajustado social, um pária
lutando febrilmente pela própria subsistência. A nossa cultura somente poderá
se impor sobre as outras culturas, no entrechoque inevitável, se for
suficientemente prestigiosa. Daí a razão por que precisamos mostrar às novas
gerações - bem como àqueles que, vindos de terras distantes, acorrerem à nossa
querência - que as tradições gaúchas são REALMENTE belas, e que o gaúcho merece
realmente a nossa admiração.
O TRADICIONALISMO
COMO FORÇA ECONÔMICA
Prestigiando
as tradições gaúchas e prestando assistência moral e social ao homem do campo,
o Tradicionalismo estará contribuindo de maneira inestimável para a solução do
problema que ora sufoca a nossa vida econômica: o êxodo rural, a crise
agrícola. É que, dentre as principais causas do êxodo rural, encontramos uma
que foge ao âmbito dos fenômenos econômicos. Para proteger o homem do campo, e
fazer com que ele permaneça no meio rural, não basta que o Estado lhe forneça
meios econômicos mais seguros. Se o campesino acaso julgar que o lugar que lhe
está reservado na sociedade encontra-se nas cidades, ele será um desajustado
enquanto não conseguir realizar seu sonho de transferir-se para a cidade. Este
fenômeno prende-se ao conceito sociológico de “status”, que é a posição social
de uma pessoa em relação a todas as outras com quem está em contato.
Se
“os outros” demonstram que certo indivíduo ocupa um status digno, ele fica
satisfeito; mas se “os outros” demonstram o contrário, ele é inconscientemente
levado a demonstrar sua habilidade, e, nesse afã, sempre deseja competir com os
indivíduos que considera superiores, jamais com aqueles que considera
inferiores. Assim sendo, se o campesino se considera inferior ao citadino, mais
cedo ou mais tarde tentará procurar a cidade, para ali competir com quem lhe
rouba a posição social.
Prestigiando
as tradições gaúchas, e prestando assistência moral e social ao homem do campo,
o Tradicionalismo estará convencendo o campesino da dignidade e importância de
seu status. Estará, em suma, pondo em prática aquilo que o sanitarista
Belizário Penna um dia salientou, mais ou menos nestes termos: “O Brasil é o
país onde mais de fala em valorização. Valorização do café brasileiro, do
dinheiro brasileiro, do algodão brasileiro, do boi brasileiro. Somente não se
pensa na mais urgente e importante valorização - a do Homem brasileiro - a
qual, por si só, estaria conduzindo a todas as outras”.
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