sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Eu escuto música gaúcha, e você? - por Liliane Pappen Bastos

          Eu não preciso gostar do que todo mundo gosta, nem do que mídia me apresenta. Minha mãe já dizia que eu ‘não sou todo mundo’. Ela me ensinou que caráter e personalidade são características que posso desenvolver. Bem, mãe, eu desenvolvi. 

          Mesmo sem raízes profundas no tradicionalismo, desde os 12 anos – quando fui ao primeiro fandango da minha vida como acompanhante de uma prima – me apaixonei pela cultura gaúcha e seus elementos. Não vou entrar aqui no mérito do tradicionalismo como instituição. Me refiro à tradição em sua origem, o gosto pela pilcha, pelo mate, pelo churrasco e a conversa franca e honesta ao pé do fogo de chão. Desde então, minhas preferências musicais, literárias, artísticas e culturais têm se referenciado nessa fonte. Leio de tudo, me interesso por tudo, ouço de (quase!) tudo.

        Por que o quase? Tenho visto nas redes um bando de gente que reclama da música ‘imposta’ pela mídia – eles falam em especial da Globo, que projeta nomes como Anitta, Pablo Vittar e Jojo Todynho (???) (Eu nunca tinha ouvido falar dela e ainda não sei qual é a sua música ‘famosa’. Me esclareçam, por favor.). No entanto, grande parte dos reclamantes são os mesmos que, quando estão na balada dançam até o chão quando toca esse tipo de música. 

        Que fique claro que não estou criticando quem gosta. Cada um tem o direito de gostar do que quiser, assim como eu tenho direito de desligar o rádio quando toca qualquer coisa que me desagrade. A função dessa publicação não é fazer juízo de valor sobre a música ou qualquer tipo de arte, é declarar o direito de não ouvir (ou ouvir, se for o caso!). 

           A mídia oferece aquilo que o seu público consome. Anitta está no topo das paradas, não porque aparece seminua na TV (ou sim?), mas porque tem quem ouça (e muito!) suas músicas, acesse seus clipes e os compartilhe e promova nas redes sociais. Em suma: lei da oferta e da procura! É claro que quanto mais oferta, maior o número de consumidores.

          Ontem, 08/02, músicos gaúchos se reuniram na sede do MTG para discutir o futuro da música regional. E entre as constatações, eles se deram conta de quanta energia desperdiçam (e nós, consumidores, também!) debatendo se a música que vem de fora é boa ou ruim (Isso também serve pro BBB. Não gosta, desliga a TV ou troca o canal), ao invés de nos dedicarmos a promover o que é nosso e agregar novos consumidores ao que produzimos. 

 
          Temos aqui no Rio Grande do Sul, uma produção invejável de boas músicas, talentos incontestáveis do cancioneiro regional, grupos que se dedicam a preservar a tradição, mas, apesar de tudo, nossa música se restringe às nossas fronteiras. O problema é a nossa mente de colonizado, que continua nos impondo a visão de que a grama do vizinho é mais verde e que a música importada é melhor. Ledo engano!

             Fazendo um paralelo ao chimarrão (que também não sai daqui!), sempre afirmo nas palestras que o mundo não toma chimarrão porque o gaúcho não conhece seus benefícios e propriedades. Importamos chá verde, um dos mais consumidos do planeta, porque faz bem para saúde, mas desconhecemos o que o chimarrão nos proporciona (é considerado o chá mais completo do qual se tem conhecimento) além do hábito. 


Liliane é Presidente da Escola do Chimarrão
           O chimarrão existe há mais de 500 anos, foi utilizado pelos índios guaranis desde muito antes do descobrimento do Brasil, enquanto o café é consumido há uns 300. Mas o mundo consome café. Por quê? Porque enquanto os produtores de erva-mate se digladiam pelo mercado interno, os cafeicultores convencem seus consumidores que bom mesmo é tomar café!  O mesmo serve para música gaúcha. Enquanto nos atermos a discutir a grenalização musical: se a minha é melhor que a tua - continuaremos chimarrão. E penso que já passou da hora de nos tornamos café – doce, forte, atraente e comercialmente viável

            Entretanto, do meu ponto de vista (olha eu aqui de novo!) essa mudança começa em mim. Temos que parar com essa ideia de que em casa de ferreiro o melhor espeto é o de pau. Temos que parar de criticar (e assistir) Pablos, Anittas e Todynhos (Crítica também da IBOPE!!) e começar a valorizar Alexandres, Jocas e Fernandos. Somente consumindo o que os nossos músicos produzem é que fortaleceremos o mercado fonográfico do Rio Grande do Sul. E não me venham com esse mimimi de que as letras são difíceis e os ritmos são repetitivos. Hoje, temos músicas e artistas para todos os gostos. 

           Quer saber? Tem mercado para todo mundo e, graças a Deus, a internet tá aí pra nos libertar! Ao contrário do que muitos pensam, a gauchada é esclarecida e sabe usar perfeitamente o Spotify, Youtube, Soundcloud e todas as outras plataformas disponíveis. Então, bora reclamar menos e ouvir mais do que nos enche o coração e faz bem para alma? Eu escuto música gaúcha, e você?!

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