(Blog do Jornalista Flávio Damiani)
Bastou uma nesga de conversa, em janeiro deste ano (2017), com o Paixão Cortes, para descobrir uma história interessante. Entre um cavaco de assunto e outro, surgiu uma discussão sobre a evolução musical no Rio Grande do Sul e dos seus compositores, entre eles, o Paulo Ruschel, autor de um clássico do folclore rio-grandense. Aquele que fala dos “homens de preto trazendo a boiada, vem vindo cantando dando gargalhada”, e que sem alternativa “o bicho coitado (…) só vem pela estrada, direto à charqueada…”
Foi aí que lasquei:
– Como surgiu esta música?
Beirando os 90 anos de idade, com uma lucidez invejável, o Paixão é uma referência na pesquisa folclórica do Rio Grande do Sul. Pelas mãos dele passou parte do repertório musical dos pampas.
A profissão de engenheiro agrônomo da Secretaria da Agricultura do Estado nunca foi um empecilho para sua atividade cultural, aliás, pelo o que ele conta, ajudou a descobrir e divulgar.
Foi numa destas andanças que ele acompanhou, ou testemunhou, o nascimento desta, que ainda é uma das músicas mais executadas do cancioneiro popular gaúcho e um símbolo que levou o nome do Rio Grande do Sul pelo mundo.
Paixão Cortes era especialista em lãs, e conta que na década de 50 fazia uma exposição na cidade de Julio de Castilhos, onde está localizada a Cooperativa Regional Castilhense de Carnes, ou simplesmente, Frigorifico Castilhense, que abrigou a exposição que reunia criadores e interessados na comercialização do produto e de olho no mercado.
Lá, por esses dias, conta ele, apareceu o Paulo Ruschel, artista plástico que também era compositor e violonista. Ficou impressionado com uma cena: homens a cavalo vestindo capas pretas empurrando o gado rumo ao matadouro. “Era frio e como proteção, vestiam as pesadas capas de lã que cobriam o corpo”, descreve. A capa cobre o cavaleiro e se estende até a anca do cavalo.
– O corredor de acesso à cooperativa é amplo e de encher o peito – observa Paixão, que nesta época, apresentava o programa Grande Rodeio Coringa que ia ao ar pelas ondas da Rádio Farroupilha de Porto Alegre.
Conta que dias depois da exposição em Júlio de Castilhos, o Ruschel “apareceu na minha casa, na Rua Sarmento Leite, 101”, ficava próximo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Com um violão, lá estava para mostrar a composição, que levava o nome de “Charqueadas” e não “Homens de Preto”, como depois ficou conhecida, por conta do refrão.
A música foi apresentada, pela primeira vez, no Grande Rodeio Coringa em 1º de Maio de 1955 e nasceu fazendo sucesso. O estilo logo encantou o público, pela tal dimensão diferenciada da letra, da música e da interpretação do grupo Os Gaudérios que tinha como integrantes o Neneco, o Carlos Medina, o Marques Filho e o poeta e letrista Glauco Saraiva.
A escolha dos Gaudérios para interpretar a música foi uma opção do Paixão.
– Era preciso colocar mais de duas vozes para dar uma identidade a letra – lembra.
Reconhece que foi a partir daí que as músicas solo e em dupla começaram a receber mais um ingrediente. A multivocalidade foi consagrada mais tarde pelo Conjunto Farroupilha que carimbou o passaporte dos “Homens de Preto” pelo mundo, levado pelas asas da Varig. Que o digam os cabarés de Paris.
Elis Regina também gravou.
(Entrevista do Jornalista Flavio Damiani
Com Paixão Cortes, em 2017)
2 comentários:
Belo relato da criação desta composição pelo nosso maior folclorista, Paixão Cortes.
Flávio sabe contar seus causos como se estivesse “ proseando “ num galpão crioulo. Pena que corre fácil do papel para o nosso coração. Agora sabemos como foi construída está antológica composição.
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